ANCHIETA OU O EVANGELHO DAS SELVAS

DIÁRIO DE LÁZARO

Dhâranâ nº 1 e 2 – Março a Junho de 1957 – Ano XXII

 

Volume III, de Obras Completas de FAGUNDES VARELA

Estrofes X e XI

 


“Alma inspirada de Anchieta ilustre

Espírito do apóstolo das selvas!

Sábio e santo, luzeiro do futuro!

Tu, que nas solidões do Novo Mundo

Sobre as alvas areias, borrifadas

Das escumas do mar, traçaste os versos

Do poema da Virgem e ensinaste

Aos poucos do deserto a lei sublime

Que aos reinos do Senhor conduz os seres

Ensina a minha musa timorata

A linguagem celeste que falavas!

Dá-lhe a doce expressão, a graça infinda,

A força, a eloqüência e a verdade

Dessas singelas narrações, que à noite

Fazias nos outeiros, nas florestas,

Às multidões que ouvindo-te choravam,

E pediam as águas do batismo!

E tu, oh! desditoso, exímio bardo,

Cujo leito final buscam debalde

As abelhas das verdes espessuras

Para seu mel depor, como as do Himeto

Do divino Platão sobre o movimento...

E cada novo estio o mar procuram,

E zumbem sobre as águas mugidoras

Que furtaram teu corpo ao pátrio solo!

Grande Gonçalves Dias! Desses páramos,

Onde viver sonhava, e vive agora

Tua alma gloriosa, envia, oh! mestre,

Envia-me o segredo da harmonia

Que levaste contigo! ... Assim, apenas,

Meu santo empenho vencerei contente.

“Reina fundo silêncio. Passo e passo

O homem do evangelho se encaminha

Para o meio das gentes reunidas;

Qual o astro que as veigas ilumina

E faz abrir a flor, saltar o inseto,

Romper-se a bela e nítida crisálida,

Cantar o passarinho e a leve corça

Pular pelas campinas orvalhadas.

Assim rebenta a vida e o movimento

A medida que o mestre se aproxima.

Sobre a grande fogueira a chama brilha,

Robustas mãos arrastam duros cepos;

Outras mais frágeis pelo chão estendem

Lisas, moles esteiras, ramas frescas;

Ajoelham por fim, e o missionário,

Para a imagem de Cristo se voltando,

Repete as santas orações da noite.

Da noite as orações já terminadas,

Às gentes abençoa e então começa

Da Redenção a história sacrossanta,

Que a musa do poeta ornou de flores,

Tristes flores sem viço e sem perfume”.